Esta é uma história verdadeira que me aconteceu no final de 2014 e que me marcou positivamente apesar do sofrimento, até agora. Muito poucos têm conhecimento do que realmente aconteceu. Na realidade, eu desapareci durante quase cinco meses, mas não disse nada a ninguém, e muitos poucos – só quem realmente estava próximo de mim – sabiam a verdadeira dor e o que tinha acontecido. Hoje, depois de ter superado perfeitamente este momento, acho que posso partilhar o que aconteceu, porque muitas das mulheres que irão ler este texto de certeza que já passaram por algo semelhante ou, se não passaram, podem vir a passar.
O facto é que muitas vezes pensamos que somos grandes ou valentes porque conseguimos superar uma situação com criatividade, ou temos que fazer coisas realmente excepcionais para sermos consideradas “mulheres guerreiras”. Pois deixem-me dizer-vos uma coisa: para mim, TODAS AS MULHERES SÃO GUERREIRAS, cada uma ao seu jeito e adaptada à sua realidade mas, em determinados momentos da vida, já todas foram. Às que ainda não passaram por uma experiência qualquer, tenho uma boa/má notícia, que é que vai passar por algum acontecimento ao longo da vida onde terá que expressar-se como uma mulher guerreira.
Ao longo da nossa vida normal e rotineira vamos passar por algum momento que nos irá exigir com que nos comportemos como alguém determinado, lutador, positivo, que chora mas segue em frente, que luta às vezes com os olhos tão molhados que nem tem foco no que está a ver, mas que mesmo assim vai em frente e luta, porque sabe que se luta poderá ter a possibilidade de ganhar a batalha, e se não a ganhar pelo menos saberá que deu tudo por tudo para a ganhar, e portanto ficará em paz consigo.
Por isso, hoje vou partilhar uma história, uma história que me “apanhou” de surpresa, como é normal em todas estas histórias, e que de um segundo para outro alterou a minha vida… e como, apesar do sofrimento, lutei, chorei, meditei, pensei, refleti e mudei, porque se não mudarmos, de nada serve ter passado por esta história. Esta para mim, foi uma das situações mais fortes e onde precisei de mais coragem para ir em frente e lutar para me recuperar, para voltar a ter uma “vida normal”.
Algures em Novembro de 2014, decidi fazer um concurso de paellas em casa. Esperámos por um dia bom, sem chuva e no jardim três homens, amigos do meu marido faziam-se passar por chefs por um dia. Cada um na sua paella, pois em Espanha normalmente a paella é cozinhada pelos homens. Cada um deles trouxe o seu suporte, paellera, ingredientes, e os restantes comiam aperitivos e bebiam animados, rindo e olhando para o esforço deles para ser o melhor.
Às tantas, colocámos música e começámos a dançar. Ainda estávamos no início, mas estávamos realmente bem dispostos, e era um convívio de famíla, onde estavam os meus filhos e os meus pais.Um amigo do meu marido, desafiou-me a dançar um rock ‘n’ roll e eu aceitei! Começámos normalmente, com passos giros, e fomos entusiasmando-nos. Às tantas ele tentou uma “pirueta”: eu desceria pelas costas, passaria entre as pernas e ele puxar-me-ia ao passar entre as pernas para eu por-me em pé. Realizámos este movimento, o amigo do meu marido desequilibrou-se e eu caí de cabeça para baixo, com a força da gravidade, com a cabeça contra o chão! Logo se ouviu um som tipo “crash” no meu interior mas que ressoou para fora, ficando todos calados e imóveis, e nem mesmo a música se ouvia!
Quando eu ia dizer para ver as minhas pernas, o nosso amigo, que estava desequilibrado, caiu em cima de mim, para completar a queda! Estamos a falar de uma pessoa que mede dois metros de altura e que deve pesar cerca de 120 kg. A queda e a pancada no meu corpo acabou por ser dupla. Todos avançaram para mim, para saber como eu estava. Eu, devido ao peso do nosso amigo, não sabia até que ponto estava mal, ou muito mal, porque bem não estava. A única coisa que queria saber era se podia sentir e mover as pernas porque isso significava que não iria ficar numa cadeira de rodas. Eu acredito no nosso sexto sentido, não é totalmente reconhecido, mas ele existe sim, e eu na minha queda soube que algo por dentro se tinha partido, ou pelo menos rasgado. Apesar de não perceber nada de medicina, sabia quais as consequências que esse “algo” podia trazer-me.
Vieram os bombeiros e levaram-me para o hospital, onde fizeram logo uma ressonância. Para quem nunca foi transportado numa ambulância, posso disser duas coisas:
- Eles são super carinhosos e tratam de tudo para que te permaneças calma. A calma é a melhor e a única coisa que deves ter nestes momentos.
- A mim fez-me muita impressão e tive medo de subir toda atada numa cama de ambulância. Começas a pensar nas consequências daquele acto: dançar pensando que somos ágeis como se tivéssemos 20 anos, quando na realidade temos quase 30 anos a mais, e temos menos reflexos.
A partir deste momento começou o pesadelo. Qualquer coisa que tentasse fazer ou pensar era horrorosa. Tudo o que os médicos falavam comigo ainda mais. Obtive mais de oito opiniões diferentes de médicos e todos eles eram unânimes: tinha que ser operada à cervical C5, a qual tinha uma grande fissura, caso contrário não voltaria a andar, ou qualquer golpe, por mais pequeno que fosse, no futuro poderia deixar-me numa cadeira de rodas. Não poderia voltar a fazer desporto, nem vestir saltos altos, nem conduzir por medo de uma pancada, mas isso nem tinha importância perante a gravidade do assunto.
Eu relembrava o que tinha acontecido na minha cabeça e não podia acreditar. Para tentar animar as pessoas, e sem maldade nenhuma, tinha provocado uma situação que se calhar não tinha volta atrás, e iria para sempre afetar o meu futuro. Sempre ouvimos dizer que as coisas se alteram em segundos, mas nunca pensamos que nos pode acontecer a nós, porque parece que só acontece aos outros. Mas o facto é que os acidentes existem e com eles as consequências que nos alteram a vida.
Lembro-me de ir a uma consulta e outra, e sempre ouvir o mesmo, justamente aquilo que eu não queria ouvir. As lágrimas caíam-me pelo rosto como uma fonte onde a água não esgota. Pode não ser o fim do mundo, mas para ti é, é isso que sentes, e o teu coração parte-se com dor, e essa dor é tão forte, tão forte que não te permite nem andar direita, porque é a dor do coração.
Num momento de iluminação decidi não me precipitar, por uma vez na vida assumiria o controlo do descontrolado e não faria nada que não tivesse sido bem pensado e refletido sobre a minha almofada. Os perigos conhecia-os e também sabia quais as consequências mas eu sempre acreditei e continuo a acreditar que existem milagres na nossa vida e, portanto, iria esperar por um milagre. De momento, ficaria na cama, até depois do Natal, e não me moveria dali por nada. Passaria o dia deitada, nem sequer veria televisão. Também não tenho televisão no quarto e, mesmo que tivesse, com o colar cervical seria muito incómodo. Para minha surpresa os dias passavam rápido, não me chateava com nada, nem com ninguém, não tinha o telefone ligado e não perdia tempo com Facebook ou Instagram.
Queria e aproveitei o tempo de mim para mim, pensei e refleti o porquê de me ter acontecido o que aconteceu e cheguei a uma conclusão: que até tinha tudo a ver com o porquê. Não queria visitas, nem perder tempo ou ganhá-lo. Mas na altura não queria ninguém, nem que ninguém sentisse pena de mim, por isso preferia estar sozinha, apesar de nunca estar sozinha porque recebia muito amor em casa. Meditava, às vezes 4 horas por dia. Primeiro, para descobrir o porquê, eu particularmente acredito que nada acontece por acaso. A seguir, para me curar rezava e rezava muito, chorei a pedir perdão e perdoei-me.
Em Janeiro, indicaram-me um novo médico, alguém que ainda hoje é o meu ortopedista, nada complicado e muito menos comercial. A primeira coisa que ele me deu foi esperança. A seguir disse-me que tinha de ficar pelo menos mais dois meses na cama até a fissura da C5 colar; não me mexer por nada nem ninguém e, em princípio, com o tempo, voltaria a ficar normal a nível de mobilidade. E assim foi. Fiquei quase mais dois meses na cama, sem me mover, dormindo muito, e tranquila, muito tranquila e com muita paz. Continuava com o meu ritual de meditações e limpeza interior. Continuava a chorar e a perdoar… e a perdoar-me! Nunca é demais te perdoares. E um dia algures no início de Março senti: “está tudo bem, levanta-te e começa a fazer a vida normal, pouco a pouco”. Levantei-me, mas tinha muito medo de tudo: de escorregar, de conduzir. Fazer desporto nem pensar. A todo o momento pensava ”e se acontecer isto ou aquilo?” Mas ninguém vive plenamente pensando assim, porque a vida é feita hoje e não podemos estar sempre a controlá-la. Isso eu já sabia, porque nem tudo nem nada é controlável… ou até se pode descontrolar num segundo. Depois de tudo, lá estava eu tentando controlar tudo outra vez.
Então decidi e deixei-me ir. Fiz questão de voltar ao normal, de conduzir, de trabalhar e mesmo de fazer palestras. Desporto não, queria uma boa consolidação de tudo, mas também fiz questão de NUNCA ESQUECER O QUE TINHA APRENDIDO, porque sim, cada pancada, cada desgosto traz uma lição a aprender.
Prometi a mim mesma viver mais a vida. Aprendi a estar e desfrutar do presente, e a não me preocupar tanto com as incertezas do futuro ou os momentos passados. Aprendi a dar a mim própria mais momentos. Aprendi a descobrir sensações novas. Aprendi a continuar a ouvir a minha intuição, pois ela diz-me exactamente o que devo ou não devo fazer. Aprendi a expressar-me de diferentes formas, criativamente (e não necessariamente piores), por exemplo, nesse Natal não podia ir às compras, então criei 10 vales com direito a diferentes coisas para as pessoas que mais amo, para poderem utilizar ao longo do ano, sem desculpas! Era divertido quando alguém queria ir ao cinema e tirava o “vale do cinema com pipocas”, por exemplo. Aprendi a estar em silêncio, a conhecer-me! Saber quem sou e para onde vou.
Eu conheço-me e tenho uma identidade muito coerente, não estou sempre a mudar, por isso devo ser como sou, autêntica e não me deixar influenciar pelos outros. Aprendi que é melhor estar sozinha do que mal acompanhada. E aprendi a desafiar-me com coisas que me façam crescer. Hoje vos digo, foi um ano intenso da minha vida, e onde aprendi mais que nos últimos 50 anos. Aprendi a desfrutar de mim e a apreciar estar comigo! Aprendi a não fazer nada. Estamos numa era em que tudo deve ser rápido. Mandas uma mensagem ou um WhatsApp e esperas uma resposta imediata. Comida rápida, café rápido, tudo cronometrado, e também sempre a fazer coisas. Ninguém pode ou deve ficar parado porque é uma perda de tempo. Desde quando parar e desfrutar de “não fazer nada” ou “dolce far niente” é algo mau? E quando falo em fazer nada, é mesmo fazer nada. É sentares-te numa cadeira, ouvir os pássaros de manhã ou olhar as estrelas à noite. Está claro que, mesmo que queiramos, a nossa cabeça não para. Ela continua a pensar mas passado um pouco pára, ou foca-se naquilo que é importante e bom para nós (normalmente as preocupações são sempre os primeiros pensamentos). Quem comanda esta vida é a energia mas, infelizmente, a nossa energia está num momento onde o nosso foco é de despachar e não de desfrutar. Muitas vezes perguntamo-nos: “o que me aconteceu? Porque fiquei velho/a?”
O que te envelhece é a ANSIEDADE, não é o Sol. A ansiedade cansa-nos, a pressa contínua é um veneno pois CRIA ADIÇÃO! Adição de fazer, fazer muito e cada vez mais… mas esqueces-te de viver! Pára, desfruta, mas pára de verdade! Não na televisão, não para ler um livro, não para escrever… Vais-te sentir bem! Vais falar contigo! Vais ouvir-te! Tu tens muito que falar contigo, pois ninguém te ama como tu.
Se passas a vida a correr não desfrutas, só atinges metas. ATINGIR METAS É NECESSÁRIO MAS TAMBÉM É PRECISO VIVER! Precisamos, como em tudo, de colocar equilíbrio na nossa vida e NÃO QUERER CONTROLAR TUDO! A simplicidade da vida é saber ACEITAR. HOJE É ASSIM, AMANHÃ SERÁ O QUE SEJA. Se não consegues fazer tudo, não consegues resolver e controlar tudo, se não resolves agora… então aceita! A seu tempo tudo tem solução. Lembra-te do ditado indiano que eu gosto imenso: NO FIM TUDO TEM SOLUÇÃO, SE NÃO TEM SOLUÇÃO É PORQUE NÃO É O FIM!
Aprendi a agradecer cada dia esta segunda oportunidade que me foi dada e sempre, sempre, sempre, perante a adversidade ficar calma, pensar de forma positiva e ver numa certa perspectiva diferentes soluções. Aprendi que aquele que pensa positivo vê o invisível, sente o intangível e alcança o impossível. Aprendi a agradecer aos que estiveram sempre a meu lado: a minha família, sem os quais não me tinha recuperado como recuperei. No fim, todos e todas somos guerreiros/as. Não existe alguém mais guerreiro que outros, existem sim pessoas que decidem lutar, ir em frente e enfrentar as consequências do que fizeram, e nessa luta positiva tentam aprender e melhorar, pois a vida não se trata de ir à guerra mas sim de sermos melhores e crescermos em cada momento, tornando-nos naquilo para o que viemos a este mundo: seres únicos que evoluímos para melhor.
Deixo-te com um desafio: quando já foste uma verdadeira guerreira? Quais foram as lições que aprendeste? Estás preparada para a próxima luta? Se não estás este é o momento para te preparares!
Este texto faz parte do livro “Liberta a guerreira que há em ti” do movimento Mulheres Guerreiras. Faça já a sua encomenda através do site https://www.mulheresguerreiras.pt.
BEATRIZ RUBIO