Hoje vou falar-vos do eternamente feliz Quique. Esta é a história verdadeira de uma criança, e não só, que conheci no centro da minha cidade, Saragoça.
Todos o conheciam. Ele chamava-se Quique (Enrique). Era divertido, uma criança saudável e sempre feliz, amigo dos seus amigos e também de quem não era seu amigo. Mas o destino quis pregar-lhe uma grande partida, e aos seus pais e irmãos também, pois quando tinha oito anos, caiu-lhe um armário em cima da sua cabeça e ficou com oito anos para sempre.
Depois de muitas operações, desgostos emocionais da família, e muita luta, o Quique sobreviveu, mas ficou com a mente de oito anos e alguma dificuldade motriz. Caminhava deambulando um pouco com o corpo pesado que tinha (ele media mais ou menos dois metros de altura).
O Quique tinha uns seis anos a mais que eu, e vivia relativamente perto de mim. Ele conhecia todo o mundo em Saragoça. Não havia ninguém que não passasse por ele e não o cumprimentasse. Mas não era com um olá e ponto. Não, nada disso. Ele conseguiu um lugar no coração das pessoas! Todos, sem excepção, falávamos com ele, davamos-lhe dois beijos… e mais ainda quando nos dizia o quão linda estávamos nesse dia. Sim, porque não havia um único dia que ele não aproveitasse para dizer a uma miúda o quão gira que estava nesse dia.
O Quique alegrava a quem o via. As trabalhadoras da Pinkie e da Zara adoravam-no, e os trabalhadores da agência do banco convidavam-lhe todos os dias para um café.
Ele tinha sempre uma história para contar… ou se estivesses triste ele perguntava-te o porquê, e depois como se de uma sessão de coaching do maior especialista do mundo se tratasse ele ouvia-te!
Nunca hei-de esquecer-me quando o conheci. Foi em Formigal (nas pistas de esqui), mas não esquiando, ele não podia, já não tinha habilidade. Conheci-o numa pequena discoteca/bar, eu tinha 14 anos, e era a matiné. Ele tinha 19/20, rindo, cantando e dançando as canções.
Na semana a seguir, a caminho da escola, voltei a vê-lo e assim foram todos os dias até vir para Portugal, onde só o via ocasionalmente no Natal. Mas ele nunca se esqueceu de mim, nem do Manuel, nem de ninguém. Tinha essa capacidade que era muito superior ao comum dos mortais.
O Quique ria-se, e o mundo parava, era um riso grande e forte, de boca aberta, genuína e única, que enchia a alma.
Encontrares-te com ele era uma dádiva de Deus. Se ias à missa e o Quique estava lá, o padre tinha dificuldade em continuar a missa em paz, pois cumprimentava-nos a todos: crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Gostava de jogar às perguntas. Ele sabia tudo e não esquecia de nada! E como um miúdo de oito anos, fazia sempre para ganhar, nem que fosse com batota! Mas depois, em vez de ficar chateado, se o apanhavas, ria, ria… e continuava a rir, e tu rias com ele. Com ele o drama desaparecia, e a vida tornava-se fácil.
Levava sempre com ele um pau gigante – ele também era muito grande – tipo o dos campinos, mas na parte da cima levava um coelhinho, o seu “coelho da sorte”, que o protegia de tudo e de todos.
Estava sempre perto da sua casa, mas como vivia na zona centro, as lojas, bares, cafeterias e demais, todos o conheciam, e convidavam-no para um café, churritos, ou até uma cerveja.
A família dele, tinha que vir buscá-lo para subir a comer… mas tranquilos, nunca se perdia porque sempre estava com alguém, acompanhando-o e fazendo que se sentisse bem, porque era ele quem nos acompanhava a nós e não nós a ele.
A sua dificuldade, como o víamos de fora, para ele não era nada… e podia fazer tudo aquilo que se proponha, de facto retos era mesmo com ele… que acabavam sempre em risos que se ouviam por todo o quarterão.
Eu tinha uma admiração incrível por ele, achava-o perfeito, pois nunca sabemos se aquela é a melhor perfeição. Mas esse riso, essa forma de desdramatizar a vida, saber sempre encontrar soluções por mais estúpidas que pareçam, ou a sua capacidade de dar amor a todos, e por isso como consequência receber amor, era algo muito difícil de ver noutras pessoas, que nos julgamos como normais.
O Quique morreu há uns dias. O jornal da minha cidade escreveu sobre ele uma página, como não podia ser de outra forma, pois ele deu-nos a todos nesta vida mais do que muitos de nós daremos a outros em três vidas. Fiquei muito triste, mas ao mesmo tempo sei que vais cuidar de todos nós onde estiveres.
Só queria dizer-te umas últimas palavras: continua a ser feliz e fazer os outros felizes, como fizeste a muitos de nós na Terra, e a todos os que te conheceram e a quem inspiraste, que sigamos o teu exemplo, de descomplicar, sem drama, com riso, e quanto mais forte e contagiante melhor.
À felicidade do Quique!
BEATRIZ RUBIO