Nunca vivi uma situação assim como esta do COVID-19 mas tive duas situações semelhantes em criança, que graças aos meus pais acabaram bem.
No dia 20 de Novembro morreu Franco em Espanha. Nessa altura, mais concretamente no Verão desse ano, o meu pai tinha comprado um apartamento na estância de ski de Formigal. Ele adorava a montanha, era montanheiro desde jovem, e queria que nós, o meu irmão e eu, tivéssemos também o gosto pela montanha. Nesse Verão, como sempre, fomos à Bolívia, mas depois excepcionalmente voltámos em Agosto para passarmos férias no campo. Éramos pouco os de fora, os estrangeiros, como nos chamavam. Eu pensava que nunca iria ter um lugar onde as pessoas me definiam. Em Saragoça eu era a boliviana (apesar de ter nascido em Espanha) e na Bolívia eu era a espanhola, e agora nas montanhas éramos os estrangeiros. E continua assim, porque agora aqui sou a espanhola e em Espanha somos os portugueses.
Mas vamos à história que interessa… Franco morre e em Espanha, ou pelo menos na minha casa, cria-se um clima de terror, como se outra guerra civil fosse voltar a acontecer. A Guerra Civil de 1939 não foi vivida pelo meu pai (que nasceu nesse ano), nem pela minha mãe (que era boliviana), mas viveram o pós-guerra, tempos mesmos difíceis como imagino que terá acontecido em Portugal.
Após a morte de Franco deram-nos 15 dias de férias na escola que se prolongaram até depois do Dia de Reis (8 de Janeiro). Lembro-me perfeitamente da alegria que tive quando vi tantos dias de férias, sendo que dois dias após a morte nós já estávamos em Formigal. O que eu nunca calculei foi a instabilidade política da altura, pois eu era muito nova, andava apenas no quinto ano. Como era fim de Novembro, e as estações ainda eram definidas, nevou e nevou muito. Por isso, no início de Dezembro começámos a esquiar, e claro, com tantos dias pela frente e um curso a seguir ao outro até terminámos a esquiar razoavelmente bem.
Qual era a intenção do meu pai quando fomos para Formigal? Não era para aprendermos a fazer ski, mas era para caso as coisas dessem para o torto, fugia-mos para França. Era o mesmo que dizer, ter a família em segurança, porque a França ficava a apenas 3 kms de Espanha. E agora, de uma ou outra forma, é parecido. Estamos todos no exílio, exílio das nossas casas, para manter a segurança. Os nossos filhos muitas vezes não entendem o porquê de passamos todo o dia em casa, ou porque não saímos à rua, ou porque não continuamos a ter uma vida normal como há uma semana atrás!
As crianças no fim, nem vão dar conta do que aconteceu, só um dia mais tarde perguntarão o porquê do isolamento feito. Mas tal como no meu caso, relembro aqueles dias não com pânico, mas sim com doçura, com o meu pai a ensinar-nos a esquiar, a minha mãe a preparar-nos as sandes ou a comida, sempre com marmelada, e chocolate quente para combater o frio. E no fim … tudo ficou bem! Mas nós como família ganhámos muito em amor, carinho, vivência conjunta e amor às montanhas.
Foi desde essa altura que eu passei a amar as montanhas e o campo e é lá onde sinto-me em paz. Encontra a tua paz nestes dias no teu lar rodeado da tua família. Se aproveitares estes dias, apesar de nós adultos sabermos o que está a acontecer, eles vão lembrar-se destes 2/3 meses de reclusão em casa como algo excepcional… e de um tempo extra em família para sempre recordar.
“No fim tudo está bem. Se não está bem é porque não é o fim.” – Provérbio indiano
Dedicado a mi padre Eduardo Rubio
BEATRIZ RUBIO
PS: A outra situação semelhante foi na Bolívia… e vou contar-te no próximo artigo.